os vinte versos da valsa
«A poesia vai acabar, os poetas vão ser colocados em lugares mais úteis» - Manuel António Pina
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
A jaula
Lá fora faz sol.
Não é mais que um sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até a aurora
quando a morte pousa nua
em minha sombra.
Choro debaixo do meu nome.
Aceno lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Oculto cravos
para escarnecer meus sonhos enfermos.
Lá fora faz sol.
Eu me visto de cinzas.
Alejandra Pizarnik
Tradução de Virna Teixeira
Estudos camonianos
Estavas linda, Inês, e Camões
decerto não se importará
se eu disser que tinhas
posta no lugar a carne inteira
do meu futuro desassossego.
Aos poucos vai o corpo apodrecendo,
gentil da terra furor de que esquecemos
notícia e lastro, entretidos a morrer
por novas avenidas velhas
que em breve nos não verão mais,
apartados pela vidinha.
Mas estavas tu linda, Inês,
alheia ou talvez nem tanto
ao cego conhecido engano
que por vezes se dissipa
antes mesmo de existir.
Manuel de Freitas, A última Porta
decerto não se importará
se eu disser que tinhas
posta no lugar a carne inteira
do meu futuro desassossego.
Aos poucos vai o corpo apodrecendo,
gentil da terra furor de que esquecemos
notícia e lastro, entretidos a morrer
por novas avenidas velhas
que em breve nos não verão mais,
apartados pela vidinha.
Mas estavas tu linda, Inês,
alheia ou talvez nem tanto
ao cego conhecido engano
que por vezes se dissipa
antes mesmo de existir.
Manuel de Freitas, A última Porta
sábado, 12 de janeiro de 2013
O PENÚLTIMO POEMA DE AMOR
empurro a porta com o peso
do corpo, cada vez mais pesado
da idade, entre outras
desculpas não tão gordas,
o mecanismo das mãos faz-me
uma estimativa
aproximando as horas e os
cigarros,
só cabe um dedo no maço,
estou satisfeito
deixo-me ir, sonâmbulo,
como que tele-guiado
com headphones nos ouvidos,
sem chegar a premir o play,
contento-me com o sinal de
estática por uma questão estética
um visual que se inspira
numa ideia fixa que eu tenho,
chamo-lhe ausência
o elevador chega, desço ao
zero, à rua, ao trânsito
ultrapassando outras dessas
coisas que conjugam o dia-a-dia,
entro no parque de
estacionamento, pago claro
e daí sou entregue a um
desses paraísos artificiais
onde os corpos mais óbvios,
como os prefiro nestes meus poemas,
se movem animados por uma
corrente alternativa, doses necessárias
de euforia, essa droga
típica dos meus suicidas / o que seria de mim,
aliás,
sem a paixão que lhes tenho
-
como gosto de os ver
ajuntados
naquela agitação de ideias,
crimes tão puros, asfixiando-se
face à montra de uma loja
cheia de nuvens onde planam
jóias de um brilho que
deixa no lixo corações
vou-me concentrando nesse
êxtase e parece
que lhes adivinho as
ordinarices com que se massacram,
chantagens emocionais, todo
um enredo de agressões doentias
e eu sinto-me suar de
ansiedade
quando com o pé direito
entram na loja,
são prontamente abordados
por um sorriso
prenhe de violência a que
entregam aquele olhar das vítimas
e eu cá fora inclino-me,
sei que está prestes a acontecer
quando pedem para ver mais
de perto e
depois, chega aquela pausa,
o estremecer das pálpebras
a alteração do ritmo
cardíaco
uma dor demasiado certeira
a inquietação e finalmente
leio nos lábios aquela
variação triste de curtas palavras,
quando a empregada se vira
e fecha a luz, já é tarde demais
oiço um disparo e afasto-me
pessoalmente gosto de
relógios o mais estupidamente caros possível,
aqueles bem exuberantes, os
que melhor disfarçam a espiral
por onde descende uma vida,
também gosto de perfumes,
desde os anúncios à
embalagem, o aparato todo,
o cheiro em si já não me
diz muito,
prefiro odor lento do
envelhecimento
gosto das promessas, dos
segredos, dos truques,
das promoções e acima de
tudo das ofertas, isso é mesmo
o que mais gosto / gosto
dos meus corpos assim, óbvios,
gosto de os ver dançar ao
ritmo desta demência
que se torna tão certa e
previsível,
gosto de como tiram pedaços
do coração
gosto muito de os ver cair,
e sobretudo gosto de me desviar
naquele último momento de
vertigem antes de atingirem o chão.
Diogo Vaz Pinto
in criatura
2008
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Chico
Talvez não fosses forte
para a felicidade,
nem para o medo.
Olha as pessoas felizes:
ocultam-se na felicidade
como em casa erguem
muros, fecham as janelas,
o medo
é a sua fortaleza
O que disputam à morte
é maior que elas,
a morte não lhes basta.
Manuel António Pina, em "Cuidados Intensivos"
para a felicidade,
nem para o medo.
Olha as pessoas felizes:
ocultam-se na felicidade
como em casa erguem
muros, fecham as janelas,
o medo
é a sua fortaleza
O que disputam à morte
é maior que elas,
a morte não lhes basta.
Manuel António Pina, em "Cuidados Intensivos"
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